Há quase um ano casada, ao lado dos quatro filhos, com casa para morar e tendo de volta a sua dignidade, Alessandra Amaral Rossales, de 35 anos, agora sonha em um dia poder ajudar outras pessoas que passam pelo mesmo problema e que um dia quase lhe custou a vida: a dependência química. Foram longos 16 anos de sofrimento, de desejo de parar, de tentativa de suicídio e sem esperanças.Alessandra experimentou pela primeira vez solvente em 1993, por um conjunto de motivos como a própria rebeldia, brigas com a família e influências de amigos. Dali por diante, ela se tornou também usuária de maconha, cocaína até que, em 2006, conheceu o crack. Se até ali foram inúmeras as tentativas de deixar o vício, era aí que sua saga se tornaria ainda mais difícil.
A primeira grande perda de Alessandra foi a guarda dos três filhos, que, em 2008, foram levados para um abrigo do Município. Quando isto aconteceu, ela, que já era viúva, também passou a ser ignorada por amigos e familiares. Sem perspectivas, passou a vender tudo o que tinha em casa para comprar drogas.
“Vendi tudo, eu não tinha mais meus filhos mesmo. O pior é que sei que se eles morassem comigo não seria diferente. Podia demorar mais um pouco, mas ia acabar acontecendo. Eu fumei tudo”, conta.
Quando perceberam a situação, os cunhados - irmãos do marido falecido em 2007 - venderam a casa onde ela morava e guardaram o dinheiro no nome dos filhos. Com isso, Alessandra foi encaminhada para a comunidade terapêutica Nossa Senhora de Fátima, em São Marcos (RS), onde ficou dois meses e fugiu. De volta a Rio Grande, ela foi morar na rua, onde, para conseguir a droga, pedia nas casas, mentia, furtava, prostituía-se e até fazia pequenos serviços para traficantes.
“Cheguei a ficar cinco dias sem comer, sem tomar banho, sem dormir, apanhava na rua e passava por todos os tipos de humilhação. Quando eu conseguia que alguém me ajudasse, eu notava que a pessoa queria logo se livrar de mim”, conta.
Um dia, quando realizava uma visita aos filhos no abrigo, ela aceitou ajuda oferecida pela instituição e conseguiu tratamento na comunidade terapêutica Casa Marta e Maria, em Porto Alegre, em 2008. Lá ficou durante nove meses e 25 dias. Nesse meio tempo, sofreu um surto psicótico, esteve internada em um hospital e, após o tratamento, no período de reinserção à sociedade, ela recaiu. Logo depois, ela recebeu o laudo de um psicólogo que a atendia na Capital de que não havia mais chances de ela se recuperar. Com isso, Alessandra passou a sofrer um processo judicial de destituição do pátrio poder – perda definitiva da guarda dos filhos.
“Isto me afundou ainda mais. Voltei a usar drogas e acabei engravidando. Usei crack até o seis meses da minha gestação”, conta.
A volta por cima
Foi durante uma visita aos filhos no abrigo que Alessandra voltou a recuperar as forças. “Doeu muito ter que me afastar e ver minha filha no portão se despedindo de mim. Saí dali e fui direto procurar ajuda”, conta ela, que procurou o Cenpre - Centro Regional de Estudos, Prevenção e Recuperação de Dependentes Químicos da Universidade Federal do Rio Grande.
Alessandra conta que a primeira vez que tentou tratamento foi no Cenpre e, na época, chegou a deixar o vício da cocaína por um tempo. Naquele dia, a psicóloga Maria Tereza Duarte Nogueira foi quem a atendeu e disse palavras que mudaram para sempre a vida de Alessandra: “Chega de sofrer, vem comigo”. A partir daí, foi necessária muita força de vontade. A psicóloga conseguiu para Alessandra abrigo na sede da Assoran (Associação Rio-grandina de Auxílio aos Necessitados), onde também ela recebia janta, podia tomar banho e dormir. Em um desses dias que aguardava na fila para entrar no albergue, ela percebeu um rapaz que, encostado em uma árvore, também aguardava.
Encantada, Alessandra começou a conversar com ele e, em seguida, os dois começaram a namorar. Ele, que deveria voltar em dois dias para Bahia, passou a morar em Rio Grande e assumiu não só Alessandra, como o filho que ela estava esperando, e hoje está com sete meses, e as outras três crianças, que têm 13, 11 e 6 anos. “Eu chamo ele de ‘meu anjo da árvore’. Ele me ajudou muito, me cuidou, hoje eu tenho um lar novamente, moro em uma casa e tenho meus filhos de volta. Na época mais difícil, ele deixava de comer para que eu pudesse me alimentar”, diz.
Alessandra conta também que o marido sempre foi muito claro com ela. “Ele me falou que se um dia souber que voltei a usar drogas eu perco ele. Mas hoje eu nem tenho mais vontade de usar”, diz.
Hoje, depois de recuperar a vida, Alessandra faz planos. Ela, que gosta de escrever poesias, pretende terminar o Ensino Médio, cursar Enfermagem e se especializar em dependência química. “Quero ajudar outras pessoas. Contar minha história e dizer que nunca percam a fé em Deus. Quero poder dizer às pessoas que a dependência de drogas é muito cruel, não é vida e que, se eu tive uma oportunidade de vencer o vício, eles também têm. Quero poder dizer a essas pessoas: ‘vem comigo’”, diz.
Filhos
A guarda definitiva dos filhos veio em novembro do ano passado. Atualmente a mãe e os filhos estão reaprendendo a conviver juntos. A filha mais velha, de 13 anos, afirma que está feliz em voltar para a casa.
“Nós ficamos dois anos no abrigo e lá nos tratavam muito bem. Me sentia em casa e já tinha perdido as esperanças de voltar a morar com minha mãe. Apesar de eu estar estranhando voltar para casa, reaprendendo a conviver, estou muito feliz. O marido da minha mãe é uma pessoa muito boa”, afirma.
Além disso, a menina garante que uma das maiores lições que levará para sua vida é a de nunca sequer experimentar drogas ou bebidas. “Eles têm o maior exemplo dentro de casa. Eu oriento eles a evitarem inclusive o cigarro. Estou mais atenta a tudo”, conclui Alessandra.
Por Melina Brum Cezar
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